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Conheça as histórias/memórias
1º momento - FONTE DAS 3 BICAS
A atriz Sílvia Pinto Ferreira, conta as memórias que a autora tem da avó.
Texto de Joana Martinho Marques
"Este cartão de identidade da Caixa de Previdência da Indústria dos Lanifícios, pertencia à minha avó. Segundo este cartão, ela nasceu no dia 10 de novembro de 1919, mas trata-se de um lapso, na verdade ela nasceu no dia 10 de setembro de 1919, quem nasceu no dia 10 de novembro, fui eu, mas 63 anos depois.
A minha avó chama-se… chamava-se simplesmente Maria da Conceição. Quando ela nasceu, no dia 10 de setembro de 1919, o meu bisavô que era o feitor (ou seja cultivava e guardava umas terras na serra da estrela), pediu a alguém que fosse registar a filha com o nome de Maria da Conceição. Atualmente pode parecer estranho que alguém peça a outra pessoa que registe a sua filha, mas naquela época era algo normal, assim fizeram, contudo esqueceram-se de colocar os apelidos e a minha avó viveu toda a vida com a mágoa de não ter Machado no nome como os seus 5 irmãos.
Ela cresceu na serra e aí viveu durante grande parte da sua vida, talvez por isso a sua paixão pela serra era tão marcada que foi transmitida a filhos e netos.
Quando ainda era muito nova, participou na construção do Sanatório dos Ferroviários, carregando materiais com os cavalos. Foi aí que aprendeu os números, contando as portas numeradas dos imensos quartos desse grandioso edifício. Ela não foi à escola porque era a irmã mais velha e as letras aprendeu a juntá-las tentando ler os títulos nos jornais.
Durante um desses percursos com o cavalo, com a serra coberta por um manto branco, a minha avó foi atacada por lobos e caiu do cavalo… Ela apenas se recorda de acordar e ver o cavalo junto dela. O cavalo não a abandonou e era por essa razão que estimava muito esses animais. Lembro-me perfeitamente do grande quadro que ela tinha na sala com a pintura de 3 cavalos.
Hoje percebo que muitas das memórias da Maria da Conceição, muitas das memórias da Conceição da Serra, são minhas memórias também. E não raro me acontece, quando falo sobre algum lugar da serra ou aqui da cidade, dizer: “A minha avó contou-me que…” E… Curioso, percebo agora, que quando me aproprio das memórias da minha avó, não o faço com nenhum saudosismo nem nostalgia, mas sim porque tenho em mim que as memórias não pertencem a nenhuma pessoa, não vivem apenas presas a um tempo passado, elas estão bem presentes, aqui, nas ruas, nas esquinas, nos edifícios, nas árvores, entre nós. Bem presentes...
Como a água desta fonte, (quando ainda deitava água) a fonte das 3 bicas, sobre a qual se dizia que quem bebesse da bica do meio, ficaria para sempre preso a esta cidade. Esta fonte foi construída na Praça do Município e foi depois deslocada para aqui, nos anos 50. Há aqui alguém que ainda tenha bebido da água desta fonte? (...)
Convido-vos agora a acompanharem-me e juntos, percorrermos mais memórias ligadas a lugares da cidade."
3º momento - LARGO DA INFANTARIA
José Carvalho conta as suas memórias.
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por José Carvalho.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"Eu vou contar-vos memórias destes lugares da Covilhã antiga. Eu tinha 6 anos quando vim para a Covilhã e todas as noites, pelas sete menos um quarto, saía das escadas do quebra costas e passando aqui, atravessava o jardim. Ia levar o jantar ao meu tio, à fábrica dos Alçadas, com a lancheira na mão. Só havia eletricidade até ali, às bombas da SACOR e quando chegava à padaria do Marroca, ali em baixo, já não havia luz e eu ficava cheio de medo! Quando sentia os teares a trabalhar, ia sempre com medo, sempre com medo, sempre encolhido e quando chegava à ponte até me baixava com medo do barulho das águas e que houvesse alguma enxurrada das chuvas do inverno. Já na fábrica, esperava que o meu tio comesse e dizia cá para comigo: espero que o meu tio me deixe algum resto para quando eu sair, comer pelo caminho… E era o que acontecia, quando eu saia da fábrica, atravessava a ponte e numa veredazinha que vai para o Sineiro, sentava-me atrás de uma giesta a comer, sempre a comer, desconfiado que alguém me fizesse mal.
Melhores memórias tenho eu deste jardim! Antes era mais bonito porque tinha um belo coreto, tinha um poço cheio de peixinhos vermelhos e havia o sr. Aleixo que tinha uns carrinhos de madeira que faziam o percurso pelo jardim bonito, cheio de flores! Cada viagem custava 10 tostões.
Nesta igreja de São Francisco há uma porta que bota para o jardim e uma escadaria do lado de dentro que leva ao espaço onde aos domingos o sr. Prior dava uma matiné para todas as crianças e era eu que levava as bobines desde a loja de santinhos que o sr. Prior tinha ao pé da minha casa. Víamos filmes do Charlot, Zorro, Rintintin…
E esta estrada?! Era uma estrada de carros a pé! Havia sempre gente na rua, 24 horas, era muita gente a movimentar-se a pé nestas ruas. E cantavam… Antes este lugar era mais alegre! A Covilhã está triste…"
5º momento - RUA 1º DE DEZEMBRO
Maria Otília Silva conta as suas memórias
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por Maria Otília Silva.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"Eu tive muitos trabalhos aqui na Covilhã. Quem me desse mais dinheiro era para onde eu ia. Trabalhava na loja de eletrodomésticos do Santos Luís, quando me disseram que precisavam de uma empregada de balcão da Rádio Reparadora que era ali na rua que vai para a serra, onde agora é um restaurante. Fui a uma entrevista e fui admitida logo naquele dia, a ganhar mais 50 escudos. Fiquei entregue à exposição da loja e ao livro das deixas! Porque era assim que se dizia… As deixas eram as prestações. A loja era do sr. Pinho e dos seus dois filhos, era um trabalho familiar.
Recordo-me de ter estado o Humberto Delgado na Covilhã, com uma grande euforia no pelourinho, eu também participei, na altura já havia uma mentalidade progressista, mas as pessoas tinham medo dos Pides e dos bufos…
Passados poucos dias, entraram pela loja dois senhores, e alguém disse: São os da PIDE, são os da PIDE… Foram ao escritório buscar o meu patrão mais novo, o atual dono do restaurante e levaram-no de rastos. Isso marcou-me muito, fiquei traumatizada…
Foi aí que nasceu a minha consciência política… A Covilhã era a Covilhã, era um poderio reivindicativo, talvez devido ao proletariado e aos sindicatos… As pessoas eram mais contestatárias naquela altura e mais conscientes do seu papel na cidade… "
7º momento - RELÓGIO DE SOL
A atriz Sílvia Pinto Ferreira, conta as memórias que a autora tem da avó.
Texto de Joana Martinho Marques
"A vida, no tempo da juventude da minha avó, era dura. Vivia na serra e trabalhava na Empresa Transformadora de Lãs, aqui na Covilhã. No inverno, para chegar à fábrica, o meu bisavô descia com ela parte do percurso para abrir caminho, deixando pegadas sobre a neve que abundava. Depois ela seguia o mais rápido que podia para chegar antes de tocar a corneta da fábrica, como ela dizia. Dizia que às vezes ouvia a corneta, ainda ela ia nas Sete Fontes e pensava sempre que ia ficar ao passo, mas nunca ficou ao passo. Corria que corria! Descia muitas vezes de rabo, entornava o caldo para o almoço, mas nunca ficou ao passo.
Dizia ela que tinha muita gente que lhe queria bem, talvez, porque ela também queria bem a toda a gente. Talvez por isso, o porteiro da fábrica nunca fechava o portão sem que a Conceição da Serra, como era conhecida, chegasse. Às vezes até parecia que o portão ficava perro e ele não conseguia fechá-lo.
Só quando se casou é que veio viver para a Covilhã. O meu avô Martinho era padeiro e, se não estou em erro, 13 anos mais velho que a minha avó São. Aqui estão eles, nesta fotografia, na sua casa nos Penedos Altos. Ela contou-me muitas vezes que na altura das senhas de racionamento de alimentos durante a Segunda Grande Guerra, ela e o meu avô deram pão a muita gente.
A minha avó era ótima com agulhas, foi ela que me ensinou a cozer à máquina, numa daquelas com pedal. Dizia que aquela máquina foi a companhia dela durante muitas noites. Durante o dia trabalhava na fábrica e à noite costurava aventais, vestidos, camisas, para as colegas usarem nos bailes que se faziam à saída da fábrica, mas nos quais ela raramente participava."
9º momento - LARGO DO MUNICÍPIO
Fernando Paiva conta as suas memórias
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por Fernando Paiva.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"No início dos anos 70, os jovens tinham por hábito jogar snooker em vários locais da cidade. Um dos pontos de referência era aqui o café Montalto, mas aos fins de semana estava sempre tudo ocupado. Eu e um vizinho meu, vínhamos de Cantar Galo, a pé para a cidade, logo após o jantar e tínhamos por hábito ir ao café Danúbio. Nem toda a gente sabia que tinha um bilhar na cave, então nós tomávamos café e íamos para o snooker, fazer tempo para a sessão da meia noite do Cine Centro. Eram só filmes de terror, nessas idades, os jovens gostam de filmes de terror. E era assim o fim de semana da praxe.
Voltando ao café Montalto (aponta para as obras em curso), é verdade que tinha fama de ser o café para os industriais, mas a frequência do Montalto comigo já aconteceu sempre e nunca notei que alguém fosse discriminado. É certo que havia determinadas mesas que tinham sempre as mesmas pessoas. O Montalto tinha 3 andares, o restaurante em cima, a sala do café no rés-do-chão e à entrada, antes de chegar às mesas do café, uma pastelaria que era das melhores aqui na Covilhã, com uma grande variedade de bolos, e na cave, também os bilhares.
No Montalto conseguíamos passar um domingo. Os jovens juntavam-se e enchiam a sala que era grande e com muitos bilhares, tínhamos casas de banho e quando dava a fome a alguém, vínhamos cá acima comer um bolo ou uma sandes, tinha tudo para se passar um boa tarde de domingo. Era interessante, havia jogadores de muita qualidade.
O Montalto também dava apoio ao Teatro Cine, nos intervalos do cinema, nós saíamos e íamos lá comprar um bolo. O Teatro-Cine era essencialmente cinema, de vez em quando aparecia aí uma revista que estivesse em fim de cena em Lisboa, tinha bailados e outras manifestações como operetas, mas eu gostava mais de cinema. Há uma curiosidade relativamente ao preço dos bilhetes, quando era cinema, os lugares mais baratos eram junto ao palco, quando era teatro ou outras manifestações esses lugares eram os mais caros. No caso do cinema, esses lugares eram tão baratos, para dar acesso à classe proletária, que as pessoas envergonhavam-se de ir para a frente, então ficávamos todos atrás da porta e quando apagavam as luzes começava toda a gente a entrar, porque assim quem estava na plateia via os vultos mas não identificava quem eram as pessoas que estavam sentadas à frente.
As projeções dos filmes aconteciam às terças, quintas, sábados e domingos, ao domingo era matiné e soiré, numa sala luxuosa. O problema aqui na Covilhã era que nós abríamos o jornal e víamos as estreias dos filmes em Lisboa e só passado um ano e tal é que cá chegava. Andávamos sempre à espera que cá chegasse o filme que queríamos ver e nunca mais chegava!
Ainda me lembro da inauguração do outro cinema, o Cine Centro em 1968, com o filme, Um Homem para a Eternidade. Tinha sessões às quartas e sextas que era quando não havia aqui em baixo e tinha também aos sábados e domingos. Vejam bem como era, para a cidade ter dois cinemas…"
2º momento - JARDIM PÚBLICO
Fernanda Lourenço conta as suas memórias.
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por Fernanda Lourenço.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"Eu sou de Verdelhos, ali atrás daquele monte. E de Verdelhos vínhamos a pé pela serra até à Vila do Carvalho e depois, Covilhã.
Aos 9 anos puseram-me a servir em casa de industriais aqui na Covilhã. Mas quando eu tinha 11 anos, o Salazar obrigou toda a gente a ser escolarizado e então lá voltei eu para Verdelhos para ir à escola. Saí da escola tinha 13 anos para trabalhar numa fábrica de lanifícios aqui na Covilhã. Mas eu não gostava do trabalho na fábrica…. Então, o industrial para quem eu trabalhava precisava de uma rapariga para ir para Lisboa tratar de dois sobrinhos, dois meninos pequeninos. Pedi ordem aos meus pais que combinaram com eles e lá fui eu.
A minha mãe levou-me à estação do comboio. Viemos a pé de Verdelhos, pela serra, demorámos 3 horas. Eu nunca tinha visto um comboio, nem nunca tinha andado num comboio.
A minha mãe tinha-me preparado uma saquinha de pano com um pão de quartos e um ovo. Agora um ovo não é nada para vocês, mas naquela altura, há 60 e tal anos, um ovinho para uma criança era uma coisa extraordinária! E então eu estava era com pressa de me montar no comboio para me pôr logo a comer o pãozinho com o ovo. Na estação a minha mãe disse a umas pessoas:
- Óh minha senhora, vão para Lisboa?
- Vamos!
- Olhe aqui a minha menina vai para lá a servir, ela desce em Santa Apolónia… A senhora, veja-me lá dela durante a viagem!…
Lá fui, chorei toda a viagem! Mas ao mesmo tempo ia comendo! Porque eu queria era comer o pãozinho com o ovo…
Cheguei a Santa Apolónia e vi muita gente. Ora, na minha aldeia nem luz havia, vi tudo iluminado e eu disse a um senhor:
- Ai, óh senhor – eu falava quase como a Maria Papoila, sabem aquela Maria Papoila do filme? Eu falava como ela. – Óh senhor, então aqui há cá tanta gente… que festa é esta?
- Ó menina, aqui não é nenhuma festa! É a estação do comboio.
- Áaaahh… Mas na minha terra quando há muita gente junta é quando é a festa da Nossa Senhora! Depois ainda lhe perguntei onde é que era a porta para sair daquilo tudo.
- Então venha, siga-me. Siga-me.
Lá vou eu com a bolsita às costas. A minha mãe tinha-me posto uns espigos para levar à senhora. Espigos, são grelos, sabeis? Era a altura deles… E lá vou com a bolsita, lá vou, lá vou. Quando cheguei à rua, estava um taxista com o meu nome à minha espera para me levar, já lhe tinham pago…
- Olhe é aqui menina.
Eu nunca tinha visto um prédio tão grande, tão grande: Tinha 7 andares. Eu ia para o sétimo andar. Quando cheguei havia uma porteira, eu lá vou, mas diz-me a senhora:
- Héeeeee onde é que você vai? Espere aí! Venha cá!
- Eu vou para o Sr. Cabral, não sei onde é que é…
- Mas não vai a pé!
Meteu-me dentro do elevador. Eu nunca tinha visto um elevador. Vai a porteira e carrega num botão. Aquilo começou a andar e eu com tanto medo, tanto medo pus-me empurrar com toda a minha força, porque pensava que se tirasse as mãos aquilo caia… E lá vou! Chego lá a cima, vem a senhora:
- Então tu é que és a Fernanda da Covilhã?
- Sou sim minha senhora. Olhe a minha mãe manda-lhe aqui esta bolsa com espigos diz que é para o jantar.
- Aaaah muito agradecida!
Depois… O comer era bom! Na minha casa éramos 7 irmãos, eu era a mais velha, não tínhamos muito para comer. Gostava muito do comer, mas tinha tantas saudades! E outra coisa, a cama tinha lençóis brancos! Eu nunca tinha dormido em lençóis! E os cobertores eram quentes! Mas tinha tantas saudades do meu cantinho e dos meus irmãos! O que eu queria era vir, vir-me embora, mas ainda lá trabalhei muitos anos…
Apesar do que passei, para ser feliz tenho que me lembrar do meu passado…
4º momento - LARGO 5 DE OUTUBRO
Ilda Ribeiro conta as memórias de Alexandra Trindade.
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por Alexandra Trindade.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"Na minha casa éramos muitos irmãos e tomávamos conta uns dos outros. Um dos meus irmãos quando ia jogar à bola levava-me com ele porque não me podia deixar em casa sozinha. Então eu jogava com os meninos à bola. Era uma Maria-rapaz…
Antigamente não havia bolas de borracha, eram bolas de farrapos como esta. Eu comecei a levar para a escola a bola de farrapos escondida na pasta. A escola central era mesmo aqui…
Na escola não brincava com os meninos, brincava com as meninas, porque neste tempo as meninas e os meninos ainda tinham escola separados.
Eu só tinha umas botas para levar para a escola e uns sapatos para levar à missa, à catequese e para as festas, as botas deveriam dar para todo o ano. A bola de farrapos era muito levezinha e quando a punha no chão, ela fugia-me e quando dava um pontapé, em vez de dar um pontapé na bola, dava nas pedras. Mas eu queria jogar e abria as botas todas. O que é que acontecia? Ia com as botas todas estragadas para casa, e dizia para comigo: “O meu pai vai-me dar uma sova…”. Vai o meu pai e punha-me uns protetores de ferro à volta das botas, então, quando eu ia para dar um pontapé na bola, as botas escorregavam nas pedras e eu caía. Aparecia em casa toda esmurrada, a minha mãe tratava-me as feridas com mercúrio que era vermelho e no dia seguinte ia para a escola toda pintada, parecia uma palhaça, era um castigo…"
6º momento - MIRADOURO PORTAS DO SOL
Paisagem com corpos em movimento representando o trabalho na fábrica
Ana da Conceição Ribeiro conta as suas memórias
Performance sobre memórias de movimentos que pela repetição ficaram gravadas no corpo e partilhadas com o público com um arranjo sonoro que mistura música e gravações de memórias fabris de Maria da Conceição (avó da artista) e de Maria Augusta Mineiro.
Texto de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas por Ana da Conceição Silva.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
"Quando eu estava a tirar o curso de metedeira de fios na escola industrial, um dia uma colega minha, sem querer, enterrou-me a agulha aqui no pulso. Fui para o hospital com a agulha enterrada, mas a agulha ainda tinha fio e tiveram que me segurar o fio para a agulha não entrar toda, porque diziam que as agulhas corriam o corpo todo. No hospital tiveram que me abrir, aqui, o pulso. E a prova de que esta história é verdade é que ainda cá tenho a cicatriz. A costura que me ficou marcada no corpo depois de me tirarem a agulha de metedeira de fios."
8º momento - MERCADO MUNICIPAL
Paisagem com corpos em movimento representando o trabalho no campo
Performance sobre memórias de movimentos que pela repetição ficaram gravadas no corpo e partilhadas com o público com um arranjo sonoro que mistura música e gravações de memórias de Arminda Ramos.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
HISTÓRIAS PORTÁTEIS
(ao longo do percurso)
Curiosidades transmitidas de uma forma mais intimista, em que os próprios seniores escolhem, ao acaso, uma pessoa do público e em andamento, de braço dado, vão contando pequenas memórias dos sítios por onde passam.
Textos de Joana Martinho Marques que compilou as histórias de vida, contadas pelos seniores participantes.
(gravações feitas entre março e maio de 2019)
(PELA RUA DIREITA)
- Ilda Ribeiro:
"Pelos meus treze, catorze anos gostava muito de andar pela cidade, mas a rua que me fascinava mais era esta, a rua direita, era uma rua muito chique… As montras estavam cheias de modelos muito bonitos com cores bonitas! Com o passar dos anos comecei a comprar algumas peças nestas lojas. Comprei o meu vestido de noiva ali, na loja Fael, que fechou há uns meses. É uma pena aquela loja fechar… tinha umas montras lindíssimas para ver e de lá, muitas vezes tirávamos os modelos para mandar fazer na costureira."
- Fernanda Lourenço:
"Muitas vezes fiz eu este caminho… Com apenas 9 anos, os meus pais, em vez de me levarem para a escola, vieram deixar-me a servir em casa de duas senhoras que viviam ali atrás, irmãs de um industrial da Covilhã. Aos sábados íamos ao mercado, eu ia sempre atrás da senhora, no regresso vínhamos aqui pela rua direita que não é assim tão direita, com a alcofa à cabeça e era eu que carregava o peso todo."
- Maria do Céu Tavares fala das saudades que tem das lojas da rua direita e dos vestidos que ganhou.
(ATÉ ÀS PORTAS DO SOL)
- Maria Otília Silva:
"Quando eu era miúda, nos inícios dos anos 60, era um bocadito rapazona, gostava de andar na rua, de ir aos baloiços do jardim… Um dia, ao passar aqui, deparei-me com uma grande algazarra, porque da papelaria que havia aqui, deitavam pelas janelas, livros, cadernos, lápis e toda a gente apanhava o que podia. Penso que devem ter entrado em falência e eu fui cheia de materiais para casa!"
"Aqui mesmo em frente, era a casa da borracha, onde comprei os meus primeiros sapatos… Quando eu era pequena usava sandálias. Naquele tempo faziam-se as solas das sandálias com borracha de pneu das rodas dos carros. E aquilo queimava os pés. Quando íamos para a escola, os pés ficavam muito quentes. Era um terror! Os meus primeiros sapatos foram para levar ao exame da 4ª classe."
- Maria do Céu Marchão fala sobre as sepulturas junto à igreja de Santa Maria ainda delimitadas nos paralelos da estrada e que passam despercebidas a quem passa.
- Maria Augusta Mineiro conta memórias dos bailes da sua juventude no largo Dr. Valério de Morais, mostrando como se dançava nessa época.
(ATÉ À PRAÇA DO MUNICÍPIO)
- Ana da Conceição Ribeiro:
"As procissões aqui na Covilhã eram lindíssimas. Lembro-me de uma procissão da noite, do enterro do Senhor, que era uma procissão de muito respeito, os anjos levavam todos um véu preto, homens vestidos com blindrau a tocar as matracas… Davam a volta à cidade. O padre Pina, cantava a Verónica em todos os passos decorados, era de arrepiar os cabelos… Toda a procissão era de arrepiar. Eu costumava ver a procissão aqui, junto à antiga polícia e ali do outro lado havia uma loja que vendia botijas de gás cá fora. Havia muita gente aqui naquele dia! Houve alguém que se lembrou de espetar um palito no bico de uma botija de gás, o barulho era tal que parecia uma bomba prestes a rebentar! Começou tudo a fugir, nem sei como não caíram os andores, os padres levantaram as batinas para correrem mais depressa e nem quiseram saber dos santos, os policias tiveram de fechar a esquadra porque já não cabia mais ninguém lá dentro. Foi um grande susto, uma brincadeira de muito mau gosto."
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